Rascunho

20.1.18



Na pré-escola é proibido usar caneta porque você está aprendendo a escrever, com certeza vai errar e por isso usa lápis e borracha. Com o tempo você já sabe o suficiente para se arriscar na tinta e no auge de sua adolescência, cheio de certezas, começa a escrever em seu caderno com canetas de várias cores, ainda que as vezes recorra ao corretivo, na esperança de esconder algum errinho e manter o caderno impecável. Mas o certo é aprender a ser perfeito, porque no vestibular é proibido usar corretivo e se tiver muita rasura alguém (que não erra) vai tomar sua vaga. Para não esquecer o quão inseguro somos, sempre utilizamos uma folha de rascunho e só então transcrevemos para a folha oficial. Crescemos pensando que temos que ser perfeitos em tudo, não podemos errar, o erro é feio. Tem gente que pede até 3 folhas, começa a escrever, não gostou rabisca tudo, próxima folha. Droga de rasura, poderia ter usado palavras mais rebuscadas, próxima folha. E assim a essência do texto vai se perdendo nas 4 ou 5 folhas que foram jogadas fora. 

Acontece que o erro é bonito sim. Não devíamos ser ensinados a ter medo de errar, arriscar, chorar, afinal não é esse o único caminho para quem deseja viver? Repare que eu disse viver, porque a maioria de nós apenas segue uma rotina pré-estabelecida e qualquer mudança, próxima folha. Veja bem, a vida não te dá folhas de rascunho. Claro que você terá outras chances, mas tudo será escrito no mesmo papel, não há tempo para transcrever. Por isso pegue sua caneta bic, ainda que esteja falhando, e comece a escrever agora mesmo. Escreva o que vier, errou? Passa um traço e continua, isso vai te tornar mais cauteloso, mas não há nada mais bonito que a simplicidade de um rascunho, onde as ideias tomam forma e amadurecem, em meio a erros e acertos. 

E não é assim que a vida tem que ser? Uma crônica sem moral, uma dissertação que não necessariamente terá início meio e fim. As melhores ideias me surgem de madrugada, a famosa horinha de descuido de Guimarães Rosa. Eu escrevo no bloco de notas do celular tonta de sono, mas quando vou transcrever é tarde, já perdi a essência. O sentimento muda a cada segundo a vida é o próprio rascunho. Acostumar-se com a impermanência, alegrar o coração com as novas experiências. Escrever como nas antigas máquinas, a folha vai e volta e nos continuamos palavra por palavra, até construir uma história, com vários erros que no fim revemos orgulhosos pelo caminho que percorremos pra chegar aqui no presente, que também é futuro, sempre impermanente, como as células que se renovam a cada segundo e nem por isso sou menos eu.

Leia também

0 COMENTE